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Fiquei no mesmo sítio em que me deixaste, como um fruto que é colhido e ainda ninguém saboreou, pendurada por um fio, na berma da estrada a mirar-te ao longe, os carros passam por mim demasiado de força, uma rajada de vento e os meus olhos medrosos procuram-te. Mas insistes em afastares-te, tornaste rapidamente, demais a meu ver, numa simples figura que se torna irreconhecível aos meus olhos.
Quando as pessoas chegam a certa idade começa a preocupação, como é que vai ser quando desvanecer a vida que por lá habita, com quem é que vão falar, és vizinha, amiga, irmã, avó, mãe, companhia de uma vida para mim, Preocupo-me é quando já não tiver que me preocupar. Eu quero preocupar-me. Quero ficar aliviada pela tua chamada, basta ouvir o telefone tocar que acalmo. E nem que seja para dizer um disparate qualquer, falo contigo, desejo-te uma boa noite e digo para te portares mal. Deve ser uma idade gratificante, ouvir os outros quererem levar-nos a casa para não irmos a pé. É de merecer depois de tantos anos, acho. Faltam vinte minutos, poderias só ter ido agora, aqui o senhor David levava-te.
Senti o vento no corpo nu, A intensificar as minhas sensações e tal como estava no menu perdi as razões perdi as intenções perdi as equações de quê? Das acções!
Mas ganhei a firmeza e a esperteza. E com isto acabo com os farrapos que ainda restavam no corpo sem delicadeza.
Estou a limpar os meus rascunhos todos gatafunhados, custa ver aquelas palavras de um ano atrás. O que tenho que fazer é agarrar-me às que escrevo agora. Coisas que nos pareciam definitivas, claras e sem vento a abanar as coisas frágeis, agora, agora sim, digo que era uma coisa prematura, talvez a começar com a ponta errada, o que fazer… Pessoas que fizeram parte do nosso caminho para algum lado, qualquer que seja, talvez ainda não saibamos- passageiros, colegas de caminhada. Como aqueles que se encontram no parque, todos os fins-de-semana. Engraçado como se é capaz de se relacionar assim tão facilmente, digo eu. Ou mesmo os passageiros ficam a ganhar raízes, afinal tem que começar por algum lado. Outros simplesmente são fogazes, são mesmo passantes, como a palavra diz, passaram e andaram, é só e já chega. Isto faz-me lembrar de um texto que escrevi há tantos meses que já lhe perdi a conta, sei que admiti que já passei pelos três: passageiro, passante e por fim permanente, que meus caros, espero que seja para durar. É tão de repente que se perde, e demora tanto a ganhar. Talvez seja para ver quem entre para dentro das muralhas, feitas para proteger ou quem sabe impedir a saída? Prisioneiros com vontade, e sem planos mirabolantes para fugir. E nem sei como é que me esqueci deste. Os que morrerem, que vão para o jardim das tabuletas, cidade dos pés juntos, ainda não passei por esse, que continuem a ir à minha frente. Antes dizia que queria ser cremada, posta num pote qualquer e guardada num sítio também qualquer, pouco me importa, só não queria ser comida pelos bichos nojentos. Mas agora, que também começo a crescer mais um bocado, acho que vou-me deixar na terra sossegadinha, com as minhas mãos juntas, continuar o ciclo.
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